17 agosto 2014

VIAJANDO PELAS PÁGINAS DA GAZETA DO POVO - FEVEREIRO DE 1919

                   O Jornal "Gazeta do Povo" não é o jornal mais antigo em circulação no Paraná, como está na Wikipédia. . Essa honra pertence ao veterano e combativo  "Diário dos Campos", de Ponta Grossa, minha terra natal.   O Diário surgiu em 1907 como "O Progresso" e mudou seu nome, que mantém até hoje,  em 1913. A Gazeta surgiria apenas em 1919.  Mas não há dúvidas quanto ao fato de que o jornal curitibano é o mais importante do Paraná e um dos de maior expressão do país. No passado dividiu sua importância com "A República", "O Dia" , o "Diário da Tarde" e o "Estado do Paraná", mas esses todos sumiram na poeira do tempo.   Fundado por Plácido e Silva e Benjamin Lins com o apoio financeiro de uma elite de industriais e comerciantes, surgiu como uma força "apolítica" e "independente", conforme canta seu editorial no número 1, que reproduzimos abaixo.  No entanto, contradiz-se já na primeira página de sua história, pois apesar de "apolítico", rasga elogios à candidatura de Ruy Barbosa à presidência do país (pleito que seria vencido por Epitácio Pessoa) e faz feroz oposição ao governo de Afonso Camargo, dirigente estadual à época (1916-1920)
                 

a primeira página do jornal, de 03.02.1919 e seu decálogo de princípios


                             Mas meu intuito não é um estudo político ou sociológico do jornal, deixo isso aos historiadores formados, que melhor dirão sobre isso. Minha vontade é outra.    Gostaria de mergulhar na leitura dos fatos cotidianos e dar leves pinceladas sobre tudo o que ocorria de importante à época, numa divertida e agradável crônica visual.   Meu escopo é me divertir viajando pelas páginas do jornal, tentar me colocar naquele tempo e repartir isso com vocês. Talvez consiga também incentivar o interesse das novas gerações, por isso nada de textos pesadões ou análises cansativas, tudo há de ser leve e sem pretensões. Hoje está cada vez mais fácil mergulhar em jornais antigos pois muitos museus, bibliotecas e os próprios jornais ( como o Estadão) estão disponibilizando todas as suas edições online. A Gazeta do Povo, com certeza, chegará a esse quilate altíssimo.    Por enquanto irei fazendo alguma coisa pinçando aqui e ali nas suas páginas os  fatos curiosos ou pitorescos, notas, críticas, notícias artísticas e opiniões dos redatores, numa espécie de crônica visual que será postada em blocos englobando um mês da publicação. Este primeiro é relativo a fevereiro de 1919, primeiro mês de circulação do jornal.  Curitiba não tinha mais de 40.000 habitantes nesse tempo, grande parte deles constituída de colonos de várias etnias, num cosmopolitismo efervescente e interessante. Curitiba era pequena, provinciana, mas veremos que, cem anos atrás, tinha em pequena escala todos os problemas que hoje a grande urbe tem.  Curitiba era pequena, provinciana, mas queria a todo custo ganhar ares de cidade grande, de uma verdadeira capital.   A Gazeta do Povo surgiu para ajudar a alavancar esse objetivo.

bem no alto, à direita, a profissão de fé

ANTES DE MAIS NADA, UMA VISÃO PANORÂMICA DE CURITIBA À ÉPOCA. ESTE CROMO, PUBLICADO NUM CALENDÁRIO DE 1909, MOSTRA A EUROPÉIA CAPITAL DOS PARANAENSES DEZ ANOS ANTES DA CRIAÇÃO DA GAZETA DO POVO:

Curitiba em 1909, autoria de R.Kammerer, editor César Schulz - copyright - acervo de Paulo José da Costa   - clique na foto para aumentar





detalhe


 Nesse pequeno e expressivo texto, assinado com pseudônimo,  vemos que os anos passam, mas nada muda. Esse belo escrito poderia, adaptado a uma linguagem moderna, ser publicado hoje em qualquer jornal do Brasil.






ERA CARNAVAL, E A CRÍTICA ÀS FANTASIAS DAS MOÇAS NOS FAZ PENSAR COMO AS COISAS MUDARAM JÁ NA DÉCADA SEGUINTE, NOS ANOS 20...  TERIA SIDO MESMO O CINEMA O GRANDE CULPADO PELA TRANSFORMAÇÃO ?





O JORNAL NOS PERMITE ACOMPANHAR, ATRAVÉS DE PEQUENAS NOTAS E ANÚNCIOS, O DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO, DA INDÚSTRIA E O SURGIMENTO DOS NEGÓCIOS FAMILIARES.  A CHÁCARA DOS SCHAFFER É UM EXEMPLO.   MERECERÁ UMA POSTAGEM ESPECIAL NO FUTURO.






É UMA DELÍCIA A LINGUAGEM FUTEBOLÍSTICA NOS PRIMÓRDIOS DESSE ESPORTE QUE VIROU MANIA NACIONAL.





E QUE DIZER DOS GRÊMIOS DANÇANTES,  QUE FAZIAM PARTE DA VIDA SOCIAL NA ÉPOCA ?





AQUI ALGUNS EXEMPLOS DE CONVITES PARA OS BAILES DOS GRÊMIOS DANÇANTES CURITIBANOS, MATERIAL QUE ME FOI PRESENTEADO POR PÓRCIA GUIMARÃES ALVES, QUE GUARDAVA COM CARINHO AS LEMBRANÇAS DE SUA MÃE, MAGDALENA E SEU PAI, ORESTES AUGUSTO ALVES:








O JORNAL "APOLÍTICO" FAZ CAMPANHA PARA RUY BARBOSA, MAS VAMOS LÁ DIZER COM NOSSOS BOTÕES, ESCOLHEU BEM DESDE O INÍCIO.





DESDE SEU PRIMEIRO NÚMERO A GAZETA "SENTA O PAU" NO GOVERNO DO ESTADO. AQUI A POLÊMICA CRIADA COM OS 600 SACOS DE TRIGO QUE SUMIRAM DO ARMAZÉM DO GOVERNO E FORAM PARAR EM UM MOINHO PARTICULAR.   QUEIXA-SE A GAZETA DOS OUTROS JORNAIS, TODOS ENGAJADOS EM DEFENDER O GOVERNO ... COMO SE VÊ AS COISAS NAO MUDARAM MUITO DESDE ENTÃO E A GAZETA JÁ NAQUELE TEMPO AJUDAVA A FISCALIZAR AS COISAS PÚBLICAS...    




HÁ ALGUNS DIAS TIVEMOS O BAILE "PIERRETE" E AGORA TEREMOS O BAILE "PIERROT". ESSE SERÁ ANIMADO PELA BANDA DO TIRO RIO BRANCO. IMAGINO A PROFUSÃO DE SHOTTISCH, MAZURCAS, VALSAS E POLONAISES TOCADAS PELA BANDA. NAQUELA ÉPOCHA NEM SONHAR EM SE TOCAR UM MAXIXE NOS SISUDOS E COMPORTADOS CLUBES CURITIBANOS...  



                                       A BANDA DO TIRO RIO BRANCO, QUE ANIMOU O BAILE ACIMA NOTICIADO, CHEGOU A GRAVAR ALGUNS DISCOS PARA A CASA EDISON, DO RIO DE JANEIRO, NO ANO DE 1912.  FOI POR OCASIÃO DA CERIMÔNIA DO FALECIMENTO DO BARÃO DO RIO BRANCO, PATRONO DA ENTIDADE.  A BANDA SEGUIU PARA O RIO DE JANEIRO DE TREM E LÁ, FRED FIGNER,       O PROPRIETÁRIO DA GRAVADORA ODEON, QUE REGISTRAVA DISCOS PARA A CASA EDISON, CONVIDOU O GRUPO PARA GRAVAR ALGUMAS CHAPAS.   POSSUO DOIS EM MINHA COLEÇÃO, OU SEJA: 4 MÚSICAS, JÁ QUE NAQUELE TEMPO OS DISCOS TINHAM NORMALMENTE UMA MÚSICA DE CADA LADO. AS ROTAÇÕES DESSES DISCOS NÃO ERAM FIXADAS EM 78 RPM (ISSO SÓ SE PADRONIZOU EM MEADOS DOS ANOS 20). EM 1912 ELAS VARIAVAM MUITO, DE ACORDO COM A VELOCIDADE  FIXADA ALEATORIAMENTE NO MOMENTO DO REGISTRO. ASSIM, TEMOS DE "AFINAR" O TOM PELO OUVIDO. VAI AÍ UM REGISTRO DA BANDA DO TIRO RIO BRANCO - POSSIVELMENTE O MAIS ANTIGO REGISTRO DE GRUPO MUSICAL PARANAENSE EM DISCO - PARA SE TER UMA IDEIA VIVA DO SOM OUVIDO NAQUELES BAILES DE ANTANHO...  A GENTE SÓ NÃO FAZ MILAGRE PARA TRAZER O PASSADO, MAS FAZ O POSSÍVEL   !




       







AINDA A QUESTÃO DOS SACOS DE TRIGO DESVIADOS... O JORNAL "A REPÚBLICA" SAIU EM DEFESA DO GOVERNO E AQUI TEMOS A RESPOSTA DA GAZETA.





QUEIXA-SE A GAZETA QUE OS PREÇOS DA CARNE NA CAPITAL PARANAENSE SÃO BEM MAIS CAROS QUE OS PRATICADOS EM PONTA GROSSA, NO INTERIOR DO ESTADO.





A COMUNIDADE DE CAMPO DO TENENTE, PERTO DE RIO NEGRO, a 85 km DE CURITIBA, QUEIXA-SE DE QUE NÃO TINHA PROFESSORES...



CLEVELÂNDIA ABANDONADA À SUA PRÓPRIA SORTE, SOFRIA COM A GRIPE ESPANHOLA E SE QUEIXAVA NAS PÁGINAS DA GAZETA


AS QUERELAS COM O JORNAL "A REPÚBLICA" ERAM DIÁRIAS.  AQUI UMA NOTÍCIA SOBRE O DIRETOR ROMÁRIO MARTINS, QUE DEPOIS FOI DESMENTIDA...  COMO SE VÊ, AS FALSAS NOTÍCIAS E BOATOS NÃO SÃO COISAS NOVAS, DOS TEMPOS DO FACEBOOK...





DESDE O SEU COMEÇO, A GAZETA SEMPRE PRESTIGIOU AS NOTÍCIAS ARTÍSTICAS - POESIA SE PUBLICAVA TODOS OS DIAS - MAS PRINCIPALMENTE AS CINEMATOGRÁFICAS E MUSICAIS GANHAVAM DESTAQUE.    AQUI UM FESTIVAL DO CONSERVATÓRIO DO MAESTRO LEO KESSLER.  LEMBRAMOS QUE ANOS ANTES, EM 1912, LEO KESSLER HAVIA GANHADO NOTORIEDADE COM A ORQUESTRAÇÃO DA ÓPERA SIDÉRIA, COMPOSTA POR AUGUSTO STRESSER E ESTREADA NO GUAYRA COM GRANDE POMPA E MAJESTADE. FOI UM ACONTECIMENTO IMPORTANTE QUE MERECIA A COMEMORAÇÃO NO SEU CENTENÁRIO EM 2012, MAS QUE INFELIZMENTE NÃO SE EFETIVOU POIS A PARTITURA ORIGINAL, CEDIDA PELA FAMÍLIA STRESSER AO TEATRO GUAÍRA, NA GESTÃO DE ORACY GEMBA, SIMPLESMENTE DESAPARECEU DO ARQUIVO ...  ONDE ESTARÁ SIDÉRIA ?


DIVERTIDÍSSIMA LUTA ENTRE UM JORNALISTA E DOIS "PORTUGUESES", NA BASE DA BENGALADA... ORA, AS OCORRÊNCIAS POLICIAIS - ALGUMAS DIVERTIDAS - ACONTECIAM À TODA HORA, NÃO SÃO PRIVILÉGIO DE NOSSOS NOVOS TEMPOS... VÊ-SE TAMBÉM QUE O "JEITINHO" VEM DE LONGA DATA...






A GAZETA ERA PROVOCADORA E DESAFIAVA SEUS ADVERSÁRIOS




AQUI UM EXEMPLO LAPIDAR DA CRÍTICA MUSICAL QUE SE FAZIA À ÉPOCA.   VEJO COM ASSOMBRO QUE SE EXECUTAVA O QUE HAVIA DE MELHOR EM QUALQUER CIDADE DO MUNDO NAQUELE TEMPO, COMO O CONCERTO DE PIANO DE GRIEG, O DE VIOLINO DE MENDELSSOHN, PEÇAS DE WAGNER, VIEUXTEMPS, ÁRIAS DA CARMEM ... UM LUXO O QUE TINHA A NOSSA CIDADE NAQUELE LONGÍNQUO 1919...O QUE EU NÃO DARIA PARA OUVIR NUMA GRAVAÇÃO A ARTE DESSES HOJE ESQUECIDOS THEODORO SCHNEIDER, EMMA HAUER, HELOISA GUIMARÃES...










A GAZETA ATACA AQUI O GOVERNO DO ESTADO, QUE MANDOU PUBLICAR MENSAGENS PAGAS EM DIVERSOS JORNAIS, INCLUSIVE NA SOFISTICADA REVISTA "BAHIA ILUSTRADA", AFIRMANDO QUE O ESTADO DO PARANÁ IA MUITO BEM E SEU POVO ERA FELIZ.  LEMBRA ENTÃO A GAZETA DA DÍVIDA DO ESTADO, CONTRAÍDA NO GOVERNO ANTERIOR (CARLOS CAVALCANTI) E QUE NÃO ESTAVA SENDO PAGA... LEMBRA A GAZETA TAMBÉM A SITUAÇÃO DE PENÚRIA DOS FUNCIONÁRIOS DO GOVERNO ESTADUAL, QUE NÃO RECEBIAM SEUS SALÁRIOS.  







A PROFESSORA LUDOVICA BORIO MUDOU-SE DE PARANAGUÁ PARA CURITIBA E AQUI VEIO DAR AULAS DE CANTO, PIANO, FRANCES, ITALIANO E TRABALHOS DE AGULHA...




O CINEMA NORTE-AMERICANO AFETAVA AS ARTISTAS DO TEATRO, COMO SE VÊ...




OS CRIMES BÁRBAROS NÃO SÃO PRIVILÉGIO DOS NOVOS TEMPOS...  DE QUANDO EM QUANDO AS PÁGINAS DA GAZETA TRAZIAM UMA NOTÍCIA ESTARRECEDORA.  IMAGINO A REPERCUSSÃO DESSE CRIME - HOJE BANAL - NAS CONVERSAS DAQUELE TEMPO...




A GAZETA DO POVO SE MANTINHA INFORMADA PELO MODERNO TELEGRAPHO DE TUDO O QUE ACONTECIA NO GLOBO E LEVAVA INFORMAÇÃO A SEUS LEITORES.  AQUI VEMOS QUE  OS COMUNISTAS E ANARQUISTAS AGITAVAM A ALEMANHA DO PÓS-GUERRA.  O PAÍS TEUTÔNICO ACABARA DE PERDER A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O CAOS ESTAVA EM SUAS RUAS. O IMPERADOR FORA BANIDO E  TODA ESSA AGITAÇÃO DA ESQUERDA MOTIVOU A REAÇÃO DA DIREITA MAIS TARDE, COM O SURGIMENTO E FORTALECIMENTO DOS NAZISTAS, NUMA HISTÓRIA QUE HOJE, À DISTÂNCIA NO TEMPO, TEMOS A DIMENSÃO EXATA DO QUE RESULTOU...




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CONTINUARÁ




Paulo José da Costa
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