11 julho 2017

Lembranças de meu pai
















Eu tinha quinze anos quando ele morreu. Quase dezesseis. Eu sou de maio, ele morreu em dezembro de 1965. Seu nome era José, mas todo mundo o chamava de Juca, Juca Villela . Pessoa simples, foi caminhoneiro boa parte da vida e, quando começava a pensar um pouco mais alto, tornando-se representante comercial, o câncer o levou. Fumava dois maços de Hollywood sem filtro por dia. Com certeza está aí a raiz de meu anti-tabagismo. 
Lembro-me perfeitamente das viagens que fiz com meu pai. Saindo de Ponta Grossa. ficava às vezes quinze, vinte dias, viajando no mercedinho. Por mais que me esforce, não lembro da cor do mercedinho. Era mercedinho porque tinha um nariz, ao contrário do mercedão, que tinha cara chata, tipo fenemê.. Colecionador guarda só automóvel antigo, devia guardar esse caminhão também, que fez muita história. Carregava madeira das serrarias de Ponta Grossa, Guarapuava, Rebouças, Teixeira Soares para toda parte. Eu ia com ele de vez em quando, piazote dos meus 9, 10 anos, e lembro bem de uma viagem a São Paulo. A gente ia pela estrada de Itararé e, lembro-me bem, em Sengés cruzávamos um rio por cima da água mesmo, sem frescuras de ponte, essas coisas modernas. Lembro-me da tristeza que era passar pelas cidades de noite, aquelas de uma rua, vazias, vazias, aquelas luminárias pálidas com lâmpadas tão fraquinhas, amarelinhas, perto das de hoje. Isso em 1960, 1961. Castro, Piraí, Itapeva, Itararé, Sengés, era um rosário de cidadezinhas... Depois veio a BR2. Ligava S.Paulo a Curitiba por asfalto, via Registro, e meu pai passou a ir por ali. Isso foi legal para ele, pois em Registro fez muitos contatos e passou a vender bem a madeira e também móveis de aço da Securit, tornando-se "representante comercial". A japonesada de Registro comprava bastante e meu pai teve um relativo progresso no período que antecedeu a sua morte. Foi em Registro que eu descobri a música japonesa, pois tinha uma rede de alto-falantes que ficava tocando na cidade o dia inteiro... Outra coisa boa de Registro era o chá. Meu pai sempre comprava uma ou duas caixas de chá "Ribeira de Iguape", uma delícia. E também as bananinhas secas. Ele sempre trazia para casa essas delícias de beira-de-estrada. Cachos de banana, abacaxis, compotas e aquele delicioso doce árabe "Hallawi", feito de gergelim e que vinha numas latas, que você ainda encontra, procurando muito bem, ali no Mercado Municipal de Curitiba. Eu gostava mais de viajar via Registro do que via Irararé. Talvez por que às vezes meu pai descia até o litoral, até Iguape, o que era uma aventura e tanto. Uma vez fomos até Iguape numa Kombi e meu pai mandou eu ficar lá no fundo da dita porque com a estrada lamacenta o carro ficava dançando. E lá fiquei eu no fundão da Kombi todo enjoado, a dançar pra lá e pra cá no meio da estrada escorregadia. Hoje a gente reclama desses buraquinhos no asfalto... Vocês precisavam ver o que era viajar até Guarapuava numa estrada de terra que era um barreiro só. Outro dia vi na televisão umas cenas da Transamazônica, que em alguns trechos anda intransitável, os caminhões atolados até o teto. Pois era bem assim. Uma aventura. Levava-se quatro dias para vir de Guarapuava com tempo chuvoso. Dois dias inteiros com tempo bom e o caminhão carregado de madeira. 
Certa feita, numa ida a S.Paulo mais demorada, levamos uns 20 dias, eu tinha uns dez anos, acometeu-me uma melancolia, uma saudade de casa. Saudade da mãe, sei lá. Eu sempre fui muito caseiro, muito do lar. Quando viajo sempre estou com as pernas na estrada mas o coração na casa que deixei. Fiquei doente, meu pai se preocupou e as viagens comigo se tornaram mais raras, só as mais curtas.
Meu pai tinha um corpo de atleta - tenho umas fotos bonitas dele, jovem, nadando no Tibagi ou no Imbituvão. Ele se orgulhava muito de sua força física e vivia a me exibir seus bíceps e fazendo-me mostrar o meu, de guri pálido e fracote - eu era asmático... Meu pai era o mais forte dos quatro irmãos, José, Dalmo, Orlando e Amilton Villela da Costa, filhos de Dona Balbina ( Binoca) Guimarães Villela e o sr. Armando Costa, imigrante português divertido que se estabeleceu no Paraná na região de Rebouças. Meu pai era o mais forte mas foi o primeiro a morrer, com apenas 46 anos. Meu tio Dalmo ainda vive, bonachão, alma gentil e doce. Uma vez, contou-me minha mãe - parece-me que no Cine Império, no meio de uma sessão, alguém da fila de trás mexeu com minha mãe. Foi a conta. Meu pai pegou o cara pelo colarinho, levantou-o e o jogou contra as cadeiras , arrancando quase meia fileira do chão, parafusos a voar. Foi um bafafá. Acenderam a luz e interromperam a exibição. Quem mandou mexer com minha mãe ? Assédio era resolvido assim, na bolacha.
Mas não lembro de um episódio sequer em que meu pai tenha me batido. Ele se preocupava, sim, com que eu me alimentasse bem. Queria me ver forte, musculoso. E eu, coitado, franzino, pálido, asmático. Sofri de asma até quase os dezesseis anos. Um dia minha vó me levou a Curitiba, numa senhora que fazia "simpatias". Ela me encostou num muro, pregou um prego na minha altura, com uns fios de meu cabelo, fez uma reza, mandou eu tomar um xarope esquisito e, pronto ! A asma sumiu. Espero que não volte. Espero que esse muro seja bem firme...
Foi o Hélio (Rangel de Abreu) quem correu para a rua me avisar que meu pai tinha morrido. Eu estava encostado no Citroën preto do seu Willy Oscar Targa, conversando com o William, seu filho, o Martins e o Cláudio Rugillo, quando ele veio correndo, esbaforido: - tua mãe tá te chamando´, é pra você subir. Parece que teu pai morreu... Tinha levado seis meses na agonia, injeções de morfina, os braços furados, só pele e osso...Quem aplicava era o Nelson da farmácia Milka, que sofria com a gente. 
A invenção das capelas funerárias foi realmente um progresso. Que coisa triste era velar um pai na sala de sua própria casa e dali sair com o féretro, atravessando a cidade inteira até o cemitério ! Lembro-me que o cortejo saiu de casa, na rua Fernandes Pinheiro, e fomos pela Cel Cláudio até a Igreja do Rosário, onde foi rezada missa de corpo presente. Se fechar os olhos ainda vejo a cena de passarmos em frente a todas aquelas lojas, gente fazendo sinal da cruz, tirando o chapéu, todos aqueles conhecidos, o Chamma, o Nelson da farmácia Milka, o Júlio Neme, da Casa Íris, aquele judeu da Casa do Povo, todos olhando a gente passar lentamente, num silêncio de só ouvir as passadas de você, sua mãe e irmãos ao lado e as pessoas que vinham atrás no cortejo. Quando chegamos à Igreja, o caixão foi aberto e saiu aquele cheiro forte de morte e flores de que nunca mais se esquece. E depois, ainda, a caminhada lenta até o Cemitério S.José, lá em cima, que martírio. São dias que não se esquecem, esses como foi o 12 de dezembro de 1965.

12 maio 2017

UMA VIAGEM DE JOINVILLE A CURITYBA EM 1938


                     Álbuns de família, como sempre revelando preciosidades. Estas imagens, por exemplo, estavam nos guardados de Ludwig Seyer, o filho, músico longevo que viveu em Joinville nos anos 30 e depois radicou-se em Curitiba.  Seu pai, seu homônimo, era maestro e um dos líderes da comunidade musical curitibana. O filho, multi-instrumentista, violoncelista, pianista, violista, arranjador, compositor, gostava de fotografar e deixou mais de 50 cadernos de diários manuscritos - em alemão gótico, naturalmente (estou disponibilizando esse material aos poucos no blog "http://osdiariosdeludwigseyer.blogspot.com.br/" ). Ludwig , o filho, que faleceu em 2009 quase centenário, era vegetariano e nos seus diários lemos muito sobre seus hábitos alimentares e suas caminhadas e passeios de bicicleta pelos arredores de Joinville, pelas praias lindas daquela época.
                      Nestas fotos vemos cenas de uma viagem de Joinville a Curitiba no dia 12.12.1938, em ônibus da companhia Auto-Viação Cometa, de Blumenau.  Resolvi postar aqui no blog porque o amigo Wilson R.Degressi Miccoli me asseverou que são as únicas fotografias conhecidas de um veículo da citada companhia, que desapareceu em meados dos anos 1960.

                       Seguem então as imagens que espero sejam de proveito geral.

CLIQUE NA IMAGEM DUAS VEZES E VEJA EM TAMANHO GRANDE


copyright Paulo José da Costa, 2019
autorizo o uso mediante expressa citação do blog.

























03 março 2017

4 VISTAS DE SÃO PAULO, 1865, DE MILITÃO AUGUSTO DE AZEVEDO, TALVEZ INÉDITAS




                           Nas minhas andanças pelas casas de Curitiba às vezes encontro coisas inesperadas. Ontem eu adquiri de gente simpática e generosa um lote de vidros com diapositivos, negativos, fotos em papel, stereos e uma coleção enorme de cartas, que ainda serão objeto de deliciosa análise e possivelmente parcial publicação. Mas hoje quero mostrar essas 4 vistas do Militão Augusto de Azevedo, o mais importante fotógrafo paulista (infelizmente os curitibanos só tiveram seus fotógrafos cronistas da paisagem urbana só a partir do inicio do século XX, imagino o que seria um Militão entre nós).  


                              A PRIMEIRA FOTO - A VÁRZEA DO CARMO EM 1865

                               A várzea do Carmo, com a Igreja de São Bento,  ficava onde hoje é o parque D.Pedro II, todos passavam por ali, à beira do rio Tamanduateí, principalmente os que vinham do Rio de Janeiro.  A foto foi batida da encosta do pátio do Colégio em 1865.   Militão já havia batido uma foto desse mesmo local, mas em ângulo diferente, imagem essa que passou a constar do seu primeiro Album Comparativo da Cidade de São Paulo. Talvez essa imagem abaixo tenha sido batida no mesmo dia, nunca saberemos.





Várzea do Carmo, São Paulo, 1865. Stereo de Militão Augusto de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa. 



Várzea do Carmo, São Paulo, 1865, imagem de Militão de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa 




                                      A SEGUNDA IMAGEM - A IGREJA DA SÉ



                               Existe uma imagem quase igual a essa no Álbum Comemorativo. Esta aqui do
blog, entretanto, mostra uma caleça, ou mais provavelmente um tílburi, pois tem apenas um cavalo, dando uma movimentação à rua. Na que está no Album, não há ninguém na paisagem urbana.





Igreja da Sé, 1865, stereo de Militão de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa.





Igreja da Sé, 1865, foto de Militão Augusto de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa 



detalhe do largo da Sé, Militão Augusto de Azevedo, 1865 acervo de Paulo José da Costa




                                    A TERCEIRA IMAGEM - O JARDIM DA LUZ


Jardim da Luz, 1865 stereo de Militão Augusto de Azevedo, acervo Paulo José da Costa. 


Jardim da Luz, 1865 foto de Militão Augusto de Azevedo



                            A QUARTA IMAGEM - O LARGO DO OUVIDOR, 1865


                           Largo do São Francisco, com a Igreja e o convento, 1865. Existem duas ou três outras tomadas dessa região, uma delas de 1860, mas todas diferentes. Essa parece ser a mais próxima da Igreja, pois o casarão à direita aparece apenas com 4 janelões e nos demais registros o edifício aparece inteiro.    Os transeuntes também, obviamente, são outros.


Largo do Ouvidor, 1865 - Stereo de Militão Augusto de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa. 





Largo do Ouvidor, 1865, foto de Militão Augusto de Azevedo, acervo de Paulo José da Costa. 



copyright 3 de março de 2017.
Paulo José da Costa.
compro e troco fotografias antigas
procuro material do Paraná e Santa Catarina
inclusive álbuns de família.
41 988050624

02 janeiro 2017

O FIM DA OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA, UM DESASTRE EDUCACIONAL E CULTURAL


                            A cidade de Curitiba, no Brasil, inicia o ano de 2017 com um novo prefeito que, mesmo antes de assumir, já anunciou o fim de uma Oficina de Música que permanecia por 34 anos, todo mês de janeiro.  Era um evento destinado ao ensino da música para jovens (cerca de 2000 alunos inscritos) e formação de platéia.  Essa grande festa da cultura e do ensino da música vinha de uma tradição antiga, dos anos 60, dos antigos Festivais Internacionais de Música do Paraná. Agora tudo se acabou, rompeu-se a continuidade.
                            O novo alcaide sempre se destacou pela suas atividades culturais, escritor de crônicas, criador de monumentos, erector, na primeira vez que foi prefeito, vinte e cinco anos atrás,  dos simbólicos "faróis do saber", que pretendiam jogar a luz da sabedoria através de bibliotecas e atividades nos bairros onde se localizavam...
                            Donde a grande surpresa da comunidade intelectual e cultural da cidade com a medida que tomou e, mais ainda, pela justificativa apresentada:  usar o dinheiro para compra de aspirina, "microporus", merthiolate, gaze nos postos de saúde da cidade (disse exatamente isso em entrevista à Tv Bandeirantes).
                             O meio musical brasileiro, estupefato, nada pode fazer contra a vontade férrea desse homem que elegeu a música para propagação de uma ideia demagógica e populista, a da saúde ser mais importante do que "as pavanas".
                             Nessa mesma entrevista que deu à TV Bandeirantes, sugere que os músicos devem "renunciar aos seus cachês" para ajudar os doentes nos hospitais.  Nem vou entrar na questão dos valores simbólicos recebidos por esses professores que usam suas férias de janeiro para dar aulas de modo generoso a jovens ávidos. O fato aqui é o profundo descaso perpetrado contra uma classe historicamente abandonada e negligenciada. Historicamente o musicista sempre foi maltratado, desprezado, e quase sempre só lembrado pelas nossas autoridades nas cerimônias de posse ou para inaugurações e eventos do poder. Raros são os gestores  que reconhecem a música como atividade vital na educação.  A frase de Platão  de que "a música é um instrumento educacional mais potente do que qualquer outro/'  é desconhecida ou recebida com desdém pela gente que dirige nossa vida educacional e cultural. O sr, Rafael Greca além de se mostrar totalmente equivocado com relação a isso,  mostra profundo preconceito com relação à classe musical. Também ao falar com ênfase que a "cultura tem de ser preferencialmente de formação de platéia" revela um distanciamento enorme e triste do verdadeiro papel do ensino da música para as pessoas, revela um profundo desconhecimento do papel da Oficina de Música para os 2000 jovens que viriam a Curitiba neste mês de janeiro de 2017, pois a Oficina é eminentemente  EDUCACIONAL, INCLUSIVA, MOTIVACIONAL.
                                  A Oficina de Música de Curitiba era um enorme celeiro de formação de pessoas para o exercício de um ofício.  Isso, num país de crônica crise social, de abandono dos jovens, de desvirtuamento dos caminhos de vida, era um bálsamo para as famílias e para os jovens que aqui vinham se formar, e uma enorme satisfação para os mestres que os ensinavam.  Que triste frase a do Sr. Rafael ao dizer que os músicos deveriam destinar seus cachês para a saúde ! Pois não estão eles a ensinar os jovens, a curá-los no espírito, preparando-os para o exercício da cidadania ? Que visão equivocada a desse gestor que mistura tudo e joga a população contra professores de música e alunos!
                                 Teremos um mês de janeiro triste como nunca se viu nessa Curitiba da Luz dos Pinhais. A luz andará escondida pois os acordes dos professores e alunos da Oficina de Música foram silenciados.    

                                     "A presença da música na educação auxilia desde a socialização às habilidades linguísticas e lógicas-matemáticas. E, que ao estimular a sentimentos, memória e a inteligência, relacionando-as ainda com ao desenvolver do próprio educando, favorece a construção de um cidadão mais consciente de si e de seu papel no mundo, mais humano, mas participativo."


A ENTREVISTA NA REDE BANDEIRANTES